Liderança e saúde mental: a crise que começa pelos gestores 

saúde mental

Mesmo com tantos avanços em tecnologia para facilitar o trabalho e melhorar resultados, tem uma parte do dia a dia nas empresas que continua exigindo presença humana, sensibilidade e cuidado: a saúde mental. E quando falamos de saúde mental nas organizações, o bem-estar das lideranças merece uma atenção especial.

Não porque a saúde emocional dos times seja menos importante, longe disso. Mas porque quando uma liderança está sobrecarregada, desregulada ou emocionalmente esgotada, esse impacto se espalha rápido. Afeta a equipe, o clima, como decisões são tomadas e, muitas vezes, até a vida pessoal de quem trabalha diretamente com essa pessoa.

Neste artigo, vamos olhar com mais calma para esse tema: por que a saúde mental das lideranças pesa tanto, como ela influencia o ambiente de trabalho e até que ponto o equilíbrio (ou a falta dele) chega na rotina e na vida das pessoas que fazem parte da equipe.

Para onde se estende a influência da saúde mental 

Os números que mostram o peso da saúde mental das lideranças vêm de vários lugares — e todos apontam na mesma direção.

Uma pesquisa do Instituto Workforce, feita com mais de 3.000 pessoas em 10 países, revelou algo que muita gente do RH já percebe na prática: líderes impactam a saúde mental dos colaboradores quase tanto quanto seus próprios parceiros de vida (69%). É mais influência do que a de médicos (51%) e até de terapeutas (41%). Isso diz muito sobre a força que o comportamento de uma liderança tem no dia a dia de quem está no time.

Outro exemplo vem do livro Work Matters: How Parents’ Jobs Shape a Child’s Wellbeing (2023), da pesquisadora Maureen Perry-Jenkins. O estudo acompanhou mais de 1.500 famílias de baixa renda nos Estados Unidos para entender como as experiências do trabalho afetam não só os pais, mas também o ambiente familiar. A conclusão é clara: o que acontece com um profissional no trabalho transborda para casa.

As evidências sugerem que o comportamento dos líderes impacta a sociedade não apenas nos resultados de desempenho empresarial, mas também no cotidiano dos trabalhadores e até de seus filhos. 

A reputação brasileira quanto à saúde mental 

Quando entendemos que a influência da liderança é sistêmica, fica claro que a crise de saúde mental no Brasil não é só um tema social, é um risco operacional e estratégico para qualquer organização. E os números mostram isso com bastante força.

Um cenário de aumento acelerado

Os dados da Previdência Social (INSS) ajudam a dimensionar o tamanho do problema.

Em 2024, o país atingiu o maior número de afastamentos por transtornos mentais em dez anos: mais de 472 mil benefícios concedidos por incapacidade temporária.

Isso representa um salto de 68% em relação ao ano anterior, um crescimento que pesa diretamente na produtividade das empresas e no orçamento público. Para completar, estima-se que o custo desses afastamentos tenha chegado perto de R$ 3 bilhões no ano.

Um problema que ganha destaque no mundo

Esse aumento não acontece por acaso. Ele reflete um quadro de saúde pública mais amplo: o Brasil está entre os países com maiores índices de ansiedade no mundo, afetando cerca de 9,3% da população, segundo a OMS.

E quando olhamos para dentro das empresas, os transtornos ansiosos e depressivos lideram as causas de afastamento, mostrando que gestão de desempenho, clima organizacional e retenção de talentos passam, inevitavelmente, pela capacidade das organizações de reduzir riscos psicossociais.

Falta de repertório

Outro ponto que chama atenção é a escassez de estudos focados especificamente na saúde mental das lideranças.

Uma pesquisa conduzida por dois pesquisadores da FGV analisou como a área de Administração trata o tema e encontrou um desequilíbrio importante: há muito mais material sobre o bem-estar dos funcionários do que sobre o estado emocional dos gestores.

Isso mostra que, além de ser um tema urgente, ainda é pouco explorado — o que deixa empresas, RHs e lideranças com menos orientação do que seria necessário para lidar com a complexidade desse desafio.

O estado de saúde mental das lideranças brasileiras 

Trazendo o foco para um cenário mais local, os achados trazem certa dose de preocupação. 

Mais sinais dessa realidade aparecem na 7ª edição da Pesquisa Inteligência Emocional & Saúde Mental no Ambiente de Trabalho, realizada por The School of Life (TSOL) em parceria com a Robert Half. O estudo, conduzido entre julho e agosto de 2025, ouviu quase 800 profissionais brasileiros — metade lideranças (387) e metade liderados (387).

Alguns dos dados mais significativos foram: 

  • 63% das lideranças diagnosticadas com ansiedade, estresse ou burnout não contaram isso aos seus gestores. Ou seja, a maioria está sofrendo em silêncio;
  • Entre os que decidiram compartilhar, 17% disseram não ter recebido nenhum apoio prático para lidar com a situação;
  • E só 7% afirmam ter recebido acolhimento e suporte efetivo após abrirem o jogo sobre seu diagnóstico.

Outro dado que chama atenção é o uso de medicação:

  • 52% das lideranças usam medicação para lidar com ansiedade, estresse ou burnout, um salto impressionante quando lembramos que, há apenas um ano, esse número era de 18%;
  • Mesmo assim, 73% não se sentem à vontade para falar sobre isso com seus gestores.

E o movimento não dá sinais de desaceleração:

  • O número de líderes diagnosticados com estresse, ansiedade ou burnout subiu de 22% para 27% em apenas um ano.

Interpretando os dados sobre saúde mental 

Olhando para os dados da pesquisa da TSOL com a Robert Half, alguns sinais aparecem com muita nitidez:

  • Falta de confiança na liderança direta — muitos líderes não se sentem confortáveis nem para compartilhar diagnósticos.
  • Desconhecimento das políticas e estratégias de apoio oferecidas pela empresa, o que reforça a sensação de isolamento.
  • Preocupações pessoais que atravessam o trabalho e impactam diretamente a qualidade de vida.
  • Aumento consistente do sofrimento mental entre lideranças, combinado com baixa capacidade — ou preparo — para reconhecer e lidar com isso dentro dos times.
  • Ambientes de trabalho que, na prática, ainda contribuem para o adoecimento, seja pelo ritmo, pelas expectativas ou pela falta de suporte.

Dito isso, como gerenciar esse cenário? Há algo que as empresas possam fazer para reverter o adoecimento mental

Alguns dos caminhos possíveis são apresentados pela própria pesquisa, como mostraremos a seguir. 

Nova call to action

A pressão do cargo e o desafio de cuidar 

Quando falamos de bem-estar mental, é raro existir um único fator que explica, ou resolve, o que uma pessoa está vivendo. É quase sempre um conjunto de elementos que se acumulam no dia a dia.

A pesquisa reforça isso com dados bem claros. Os principais fatores de estresse apontados por lideranças e liderados são:

  • Dificuldades financeiras (57% líderes / 64% liderados); 
  • Conflitos pessoais e familiares (40% líderes / 41% liderados); 
  • Falta de tempo para lazer ou descanso (39% líderes / 36% liderados); 
  • Demandas fora do horário de trabalho (32% líderes / 23% liderados); 
  • Problemas de saúde (própria ou de familiares) (31% líderes / 40% liderados). 

Identificando e respondendo aos sinais de sofrimento mental 

Além de reconhecer o que mais afeta o equilíbrio emocional das equipes, existe um outro papel, talvez ainda mais desafiador, que recai sobre as lideranças: perceber esses sinais no dia a dia e saber como responder a eles.

A pesquisa mostra justamente onde estão os maiores obstáculos para quem lidera:

  • Identificar sinais de sofrimento mental ou emocional nas equipes (24%);
  • Equilibrar demandas e carga de trabalho (22%);
  • Promover um ambiente psicologicamente seguro (17%).

E esse desafio aparece com força em outro dado preocupante: apenas 32% das lideranças falam sobre saúde mental com suas equipes. Já 48% dizem que esse assunto aparece só de vez em quando, ou quase nunca.

Estratégias internas 

A estratégia de resposta das empresas continua sendo problemática quando sua equipe interna acha que os programas voltados para riscos psicossociais não têm aplicação prática (22% líderes/33% liderados), quando sequer sabem se essas estratégias existem (16% líderes/22% liderados), ou quando a organização simplesmente não os possui (29% líderes/23% liderados). 

Para a parte que sabe que esses programas existem (33% líderes/22% liderados), as estratégias para lidar são: 

  • Canais formais de denúncia de comportamentos inadequados; 
  • Convênio com psicólogos ou psiquiatras. 

Vale destacar um achado importante: justamente as estratégias mais estruturantes, aquelas que dependem diretamente da gestão da empresa — como definir metas que caibam na realidade ou ajustar a carga de trabalho ao tamanho e à qualificação da equipe — aparecem entre os últimos quatro itens de uma lista de 11 iniciativas.

Ou seja: o que mais influencia o bem-estar no dia a dia é justamente o que menos recebe atenção.

Práticas para promover saúde mental: saindo do discurso 

A pesquisa da TSOL com a Robert Half traz ainda outros achados importantes:

  • 56% dos líderes dizem que suas empresas incentivam o diálogo sobre saúde mental,
    mas, ao mesmo tempo,
  • 55% não se sentem valorizados quando falam abertamente sobre o assunto.

Esse contraste evidencia algo que muitos profissionais já percebem na prática: existe uma distância entre o discurso e o que realmente acontece no dia a dia. E, com os dados anteriores, fica claro que ainda há muito espaço para melhorar, especialmente no que depende da empresa.

Conclusão 

Cuidar da saúde mental das lideranças exige investimentos em várias frentes. Há iniciativas que dependem de cada indivíduo, claro, mas as empresas também têm um papel central nessa construção.

Essa responsabilidade não existe apenas para cumprir normas legais, como a NR-1. Ela funciona também como um investimento direto no futuro da própria organização. Equipes saudáveis tendem a permanecer mais tempo, performar melhor e contribuir com energia e qualidade para os projetos do negócio.

O desafio, então, é transformar esses insights em prática. E isso passa por usar dados para orientar decisões, estruturar programas realmente efetivos, capacitar lideranças e criar ambientes emocionalmente seguros.

Se você quer dar esse próximo passo, conheça o People Hub da Mindsight e veja como a tecnologia pode apoiar estratégias de bem-estar, desenvolvimento e desempenho em toda a organização.

Compartilhe:

Sobre o autor: