Uma questão muito importante nos dias de hoje é entender como cuidar da saúde mental no ambiente de trabalho. Afinal, taxas de ansiedade e depressão nunca estiveram tão altas no Brasil.
Não que o panorama seja muito diferente em outros cantos do mundo. Embora existem desconfianças sobre o tema, a depressão parece ser mesmo o mal do século XXI, como já alertava a OMS em 2017.
Mas, se essa é uma questão tão presente no nosso dia a dia, por que se fala tão pouco sobre isso nas empresas? Por que ainda não há ações concreta em grande parte das organizações para tentar de alguma forma sanar o problema?
Ou, voltando ao que dissemos no primeiro parágrafo, pelo menos tentar de alguma forma compreender como cuidar da saúde mental dos seus colaboradores.
Temos muitas explicações detalhadas neste texto. Dúvidas relevantes que qualquer profissional de RH deveria se fazer nos dias atuais. E respostas ainda mais relevadoras, porque poderão balizar suas ações estratégicas nesse campo.
Vamos lá?
- Educando os funcionários sobre como cuidar da saúde mental
- Relação entre saúde mental e produtividade
- Janeiro Branco e outras datas são importantes para a questão da saúde mental?
- Na prática, como uma empresa pode cuidar da saúde mental dos seus funcionários?
- Cultura competitiva vs. Cultura colaborativa
- Como tecnologia e IA ajudam a cuidar da saúde mental
- Essas ações não podem forem vistas como invasão de privacidade?
- A relação entre colegas de trabalho
- Lideranças: como cuidar da saúde mental dos seus liderados?
- Benefícios extras também podem ajudar?
- Falta de diversidade pode afetar a saúde mental dos funcionários
1. Educando os funcionários sobre como cuidar da saúde mental
Qual a importância de as empresas educarem seus funcionários sobre como cuidar de sua saúde mental? Que tipos de ações podem ser feitas para tirar a discussão do papel e ajudar de forma eficiente?
Bom, em primeiro lugar, somos seres sociais. Qualquer profissional sério de saúde mental vai dizer que não existe cuidado sem redes de apoio.
Trabalho, comunidade, família, amigos… Todos esses ambientes têm de estar em harmonia e equilíbrio para possibilitar à saúde mental um fortalecimento constante. Com isso, o papel das empresas já começa a ficar evidente.
Hoje, quando o assunto são temas de interesse coletivo (saúde, educação, assistência social), a tendência é que as pessoas esperem mais ações das empresas do que do Estado.
Dessa forma, as empresas podem atuar tanto interna quanto externamente pensando em três principais pontos de cuidado e atenção:
a) Um tema tabu
O primeiro ponto é que saúde mental ainda é um tema tabu, especialmente para as gerações mais velhas e em ambientes mais tradicionais.
É muito comum o pensamento de que pessoas que frequentam psicoterapia e fazem uso de remédios psiquiátricos são desequilibradas. Mesmo com a mudança que as gerações mais jovens têm promovido ativamente ao buscar cuidados à própria saúde mental e popularizar os tópicos ligados ao papel desse cuidado para a qualidade de vida.
b) Estresse e pressão
O segundo ponto é o fato de que estamos acostumados a viver em uma situação de constante estresse e sofrimento. E na maioria das vezes não nos damos conta disso!
Aqui existem dois principais fatores: 1) falta de autoconhecimento e inteligência emocional, e 2) a normalização de um discurso de que é necessário estar sempre ocupado e até sobrecarregado. E para quê? Para atingir um ideal de sucesso a todo custo.
c) Redes de apoio
Por fim, o terceiro é a falta de conhecimento sobre as redes de apoio. Tanto as públicas, que já existem no SUS, quanto aquelas construídas pela iniciativa privada.
No caso das soluções particulares, existem muitas possibilidades para serem usufruídas. Por exemplo: aplicativos de psicoterapia, planos de saúde pagos pelas empresas, webinares, rodas de conversa, jornada de trabalho reduzida ou flexível etc.
Além disso, embora existam os canais de comunicação e prevenção ao suicídio, como o CVV (Centro de Valorização da Vida), os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e prontos-socorros psiquiátricos mantidos pelos SUS. Ou seja, que são gratuitos, as pessoas ainda desconhecem esses recursos de atenção e, muitas vezes, deixam de procurar.
Então, qual é o papel das empresas?
As empresas devem têm um papel importante educando seus funcionários sobre como cuidar da saúde mental deles. É um papel extremamente importante e que pode ser muito amplo.
A principal iniciativa — e de menor custo para as organizações — são as campanhas de conscientização.
Alertar para os sintomas dos transtornos de ansiedade e de depressão, falar sobre burnout, elaborar cartilhas de orientação e divulgar canais de ajuda são algumas das ações que podem fazer uma enorme diferença, especialmente entre os profissionais da geração X e os Baby Boomers.
Sobretudo no caso dos baby boomers, já que estão entrando em fase de transição de carreira — período bastante conturbado para quem passou toda a vida correndo atrás do sucesso sob a máxima de que é necessário trabalhar até mais tarde para mostrar resultados.
Outras ações possíveis são a promoção de convênios com psicólogos e psiquiatras parceiros e o investimento em ações de educação para como cuidar da saúde mental.
É cada vez mais comum vermos redes paralelas de profissionais de saúde mental se formando para atender à crescente demanda dentro das organizações.
Além disso, existem professores de psicologia e psicólogos que trabalham com técnicas de psicoeducação e que são especializados em ensinar as pessoas a identificarem seus principais pontos de conforto e sofrimento.
Dessa forma, conseguirão identificar também quando há algum desequilíbrio em suas emoções e pensamentos. E, portanto, poderão manejar melhor seus sintomas e procurar ajuda quando necessário.
2. Relação entre saúde mental e produtividade
Será que existem estudos consagrados mostrando a relação entre boa saúde mental e elevada produtividade? Poderíamos extrair daí ações concretas sobre como cuidar da saúde mental dos funcionários? Esse é um assunto de grande interesse para as organizações.
A questão toda começa com o fato de a saúde mental ser de difícil medição. Nós falamos muito sobre “saúde mental”, mas mesurá-la de maneira objetiva é um desafio e tanto! Embora haja escalas de avaliação e inventários de sintomas, isso ainda não é o suficiente.
Como toda métrica no campo da psicologia, a saúde mental é muito diversa. Podemos medir o número de pessoas diagnosticadas com depressão ou o número de pessoas com sintomas depressivos.
Mas os sintomas são variados demais para desenhar uma forma escalável de mensurar sem a participação ativa de um profissional da área. Isso sem contar os inúmeros outros transtornos psíquicos…
O que está mais próximo de nos fornecer essas métricas é o indicador de engajamento e clima organizacional. De maneira geral, podemos dizer que é um indicador da saúde mental coletiva da empresa.
Uma empresa com alto engajamento é uma empresa onde as pessoas veem valor, propósito e equilíbrio em suas vidas profissionais. E são estes três pilares fundamentais à saúde mental: valor, propósito e equilíbrio. Sem analisá-los verdadeiramente, fica difícil compreender como cuidar da saúde mental dos seus funcionários.
É um sistema retroalimentado: uma empresa que cuida das pessoas tem pessoas felizes, e pessoas felizes cuidam da empresa, que cuida das pessoas, e por aí vai.
Mesmo que esses funcionários enfrentem dificuldades em suas vidas pessoais, poder contar com o apoio da rede profissional para cuidar dos seus conflitos pessoais é fundamental para manter a saúde mental em dia.
3. Janeiro Branco e outras datas são importantes para a questão da saúde mental?
Devemos sempre lembrar que a saúde mental é atemporal. Ou seja, não ocorre só em janeiro — e não são apenas acontecimentos recentes que impactam a nossa qualidade de vida.
A saúde mental é construída coletivamente. Portanto, é necessário construir continuamente um ambiente onde esse tema não apenas tenha espaço para debate mas também espaço para ser colocado em prática.
Por exemplo, de nada adianta promover todos os meses um seminário de saúde mental para meus funcionários, mas ainda assim manter um ambiente organizacional cheio de abusos e assédios morais e sexuais.
Qual é a eficácia disso? Saúde mental — assim como cultura organizacional e engajamento — é construída na prática. Não dá para ter uma saúde mental “de parede”!
As necessidades de um funcionário
Para falar em promoção de saúde mental, vamos pensar na famosa pirâmide de Maslow:
Em primeiro lugar, é preciso garantir que as necessidades da base da pirâmide estejam sendo atendidas.
O ambiente de trabalho tem higiene e ergonomia? Seus colaboradores se sentem seguros em sua organização ou vivem com medo de serem mandados embora a qualquer momento? Existe um clima de confiança entre as pessoas das equipes? Há clareza em relação às possibilidades de crescimento e de desligamento?
Isso é básico, ou seja, estão literalmente na base de um ambiente que pensa em como cuidar da saúde mental dos seus funcionários.
No topo da pirâmide, temos a estima e a necessidade de autorrealização. Estamos falando do processo individual de que as pessoas se percebam como seres humanos complexos, com sentimentos, desejos, qualidades e defeitos.
Nesse sentido, o autoconhecimento e o empoderamento psicológico são uma forma de garantir que as pessoas se sintam pertencentes e protagonistas no ambiente de trabalho. Isso significa garantir que as pessoas percebam seu julgamento de valores, seu impacto, suas competências e capacidades, e a autodeterminação de suas ações.
Para quem já preencheu toda a base da pirâmide e quer promover a saúde mental no ambiente de trabalho, existem duas atitudes que são chave: empatia e diálogo.
Empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro. Então, seja no RH, seja na liderança ou na operação, as perguntas a serem respondidas são: como cuidar da saúde mental de outras pessoas e não apenas da minha? O que posso fazer para contribuir com meus pares e com minha equipe nessa questão? Após a tomada de decisão, é necessário saber se isso de fato é o que seu par/time espera.
E aqui entra o diálogo: o que posso fazer para contribuir com a sua saúde mental? Não busque receber uma resposta pronta como “você pode colocar uma pessoa para me apoiar, pois não estou dando conta de minhas demandas”. Mas sim procure criar a abertura para que as pessoas vejam que podem contar com você em momentos de dificuldade.
Conforme falamos, as pessoas não têm autoconhecimento suficiente para identificar de imediato aquilo que as incomoda e/ou as faz sofrer. Por isso, abrir o espaço para que as pessoas possam expor suas inseguranças e desconfortos é fundamental.
O grande desafio está em construir relações de confiança no ambiente de trabalho. A cultura brasileira sempre fomentou relações hierárquicas, centralizadoras e engessadas dentro do ambiente de trabalho.
Por isso, até hoje existe a figura caricata do chefe autoritário. E a sombra do assédio moral e da ameaça de demissão continuam pairando sobre os colaboradores.
4. Na prática, como uma empresa pode cuidar da saúde mental dos seus funcionários?
Todos sabemos que existem diferentes tipos de empresa. Dessa forma, como uma empresa com uma cultura de competitividade e com grande foco em resultados pode realizar ações voltadas para a saúde mental de sua equipe?
Bom, a primeira coisa que deve ser esclarecida é: saúde mental e cultura de competitividade e foco em resultados não são coisas excludentes!
Vamos fazer aqui um exercício de empatia. Você é uma pessoa extremamente ambiciosa, que almeja estar no topo de sua carreira, ganhando bônus, gratificações e destaques, enchendo a boca para dizer que trabalha numa das maiores empresas do mercado.
Mas aí acaba sendo contratado para trabalhar numa empresa familiar cujos donos não têm ambição de crescer além daquilo que já atingiram. Como você acha que estará sua saúde mental após um ano trabalhando nessa empresa? Vendo as suas ambições sendo tolhidas dia após dia, seus resultados sendo limitados e a empresa onde você trabalha permanecendo naquele mesmo tamanho indefinidamente?
Fit Cultural
O segredo está em garantir que os colaboradores de fato tenham fit cultural. O alinhamento entre os valores pessoais e os valores organizacionais é fundamental para que a saúde mental se mantenha.
Trabalhar em uma empresa onde os valores não condizem com os seus criam um fenômeno chamado dissonância cognitiva. Ou seja, tudo o que você faz, a forma como suas decisões precisam ser tomadas não estão de acordo com aquilo que você de fato acredita.
Isso cria um conflito interno que pode ter diversos efeitos a longo prazo, especialmente sobre a autoestima e a saúde mental.
Empoderamento psicológico
Além disso, durante a permanência do colaborador na organização, existem outras ações que podem ser tomadas para garantir o empoderamento psicológico.
A tolerância ao erro e à falha é fundamental para aliviar a pressão de ser um colaborador 100% produtivo. Não existe 100% de produtividade. É natural, é físico, todo processo envolve perda de energia e o trabalho não é diferente.
Cabe reforçar aos colaboradores que está tudo bem haver esse redirecionamento de energia. E vale mais ainda fornecer ferramentas para lidar com esse redirecionamento de forma eficaz: incentivar hobbies, trabalhos voluntários, day off, dedicar tempo à saúde, à família, e si mesmo — as empresas podem ajudar com, por exemplo, estruturando planos de desenvolvimento pessoal.
Enfim, incentivar o descanso. É uma maneira direita de como cuidar da saúde mental dos colaboradores. Afinal, você dá a eles a possibilidade de pensar em outras coisas além do trabalho.
Outras ações
Outro ponto importante é garantir a confiança entre os colaboradores e, em especial, entre time e liderança.
Desconfiança e insegurança andam juntas. Pessoas inseguras e desconfiadas estão em constante estado de alerta e de estresse e, por isso, constantemente ansiosas.
Ser competitivo não significa ser traiçoeiro! A competitividade pode ser saudável, desde que haja clareza de que os rivais estão fora da organização, e não dentro.
5. Cultura competitiva vs. Cultura colaborativa
Sempre que pensamos em empresas que não dão atenção a como cuidar da saúde mental dos seus funcionários, imaginamos o cenário exposto no tópico anterior. Ou seja, empresas extremamente competitivas e voltadas fortemente a resultados.
Mas será que empresas com culturas mais colaborativas não precisam dar tanta atenção assim a questões de saúde mental?
É ingênuo pensar que uma cultura colaborativa é imaculada. Estamos aqui diante de uma nova realidade, chamada positividade tóxica. Se, por um lado, temos a imagem da competitividade como representação de tudo que há de mais abusivo no ambiente de trabalho, vemos surgir a colaboração como um discurso de que o trabalho pode ser um ambiente totalmente divertido e ausente de problemas.
Isso também não é verdade! Precisamos tomar cuidado com esses extremismos.
O discurso da colaboração também pode mascarar um ambiente de sobrecarga e insatisfação. Forçar uma cultura em que todos devem se ajudar pode levar pessoas a facilmente ultrapassarem seus limites sob o medo de ser apontado como pouco colaborativo.
Ora, se a pessoa está sobrecarregada com suas próprias demandas, por que ela deveria ser coagida a abraçar demandas dos outros? Quando peço ajuda a um colega, como sei que não estou ajudando a sobrecarregá-lo?
O ambiente colaborativo deve ser construído com tanto cuidado quanto o ambiente competitivo. A colaboração é uma via de mão dupla: exige confiança, diálogo e empatia.
Independentemente da cultura organizacional, o ambiente de trabalho é um ambiente complexo e rico de interações únicas. A saúde mental nasce da qualidade das interações e não dos valores organizacionais.
6. Como tecnologia e IA ajudam a cuidar da saúde mental
Já existem ferramentas de IA especializadas em saúde mental — por exemplo, o aplicativo Vitalk, uma espécie de chatbot com quem o colaborador pode conversar sobre temas pontuais de preocupação. Existe uma versão gratuita para pessoas físicas e planos corporativos também.
Aliás, sabemos que a IA tem trazido muitas soluções otimizadas aos mais diversos campos. Da medicina às atividades esportivas, da política às interações sociais, do ambiente de trabalho ao ambiente doméstico…
O próprio RH em si tem se transformado bastante com a chegada da tecnologia. Hoje, sabemos que quase todos os processos de recrutamento e seleção contam com pelo menos algum nível de inteligência artificial, mesmo que rudimentar.
Por que então não haveria nada desse tipo no campo da saúde mental? É claro que há! E não precisamos ter medo das transformações tecnológicas pelas quais o mundo vem passando. Sobretudo quando nos trazem soluções interessantes a problemas antigos…
No entanto, mesmo com todas as possibilidades atuais, é importante que haja uma busca ativa por parte do colaborador. Ou seja, o papel das interações humanas na identificação desses problemas permanece.
Não há como cuidar da saúde mental com eficácia simplesmente dispensando a troca humana, o olho no olho, a experiência de quem entende do assunto. A informação ainda é a melhor forma de ajudar as pessoas a identificarem a hora de procurar ajuda.
7. Essas ações não podem forem vistas como invasão de privacidade?
Uma particularidade da saúde mental, diferente de outras áreas da saúde, é que na maioria das vezes não é possível realizar um diagnóstico fechado por meio de exames empíricos, muito menos pelo monitoramento de dados.
Para acessarmos os sintomas e as raízes do sofrimento humano, seria necessária, de fato, uma invasão de privacidade não somente absurda como impossível.
Os psicanalistas dariam de tudo para acessar o inconsciente de seus pacientes e entender o que faz com que eles. Às vezes, alguém pode ter 50 anos e ainda se sentir machucado por algo que aconteceu aos 5.
Assim como em todas as outras ciências, não há como cuidar da saúde mental por um método 100% eficaz! Uma falácia muito popular é de que “todo mundo precisa de terapia”.
A psicoterapia não resolve tudo. Pode ajudar as pessoas a se conhecerem melhor, a lidarem de forma mais leve com seus problemas. Mas não vai resolver nada se a pessoa não quiser ou se não tiver condições para isso.
Aliás, existem inúmeras outras formas de como cuidar da saúde mental sem passam pela psicoterapia: exercícios físicos, hobbies, aprender coisas novas, fazer as pazes ou melhorar seu relacionamento com alguém ou mesmo não fazer nada.
Por fim, ainda que sejam palavras duras, não podemos ajudar quem não quer ser ajudado. Há pessoas que sofrem por anos a fio, mas que não se sentem confortáveis em confiar em um profissional de saúde mental. E tudo bem, desde que isso não afete as pessoas ao seu redor.
É muito diferente pensarmos em uma pessoa alcoólatra que se recusa a procurar ajuda e uma pessoa que alivia seu estresse correndo 15 km por semana.
No entanto, para casos agudos como surtos e tentativas de suicídio, é importante saber que se deve ligar para o SAMU (192). E que em casos de ideação suicida contatar o CVV (188).
8. A relação entre colegas de trabalho
As empresas devem realizar ações para auxiliarem os seus funcionários a identificarem outros funcionários com transtornos mentais? Como isso pode ser feito sem que o colaborador sinta sua privacidade invadida/se sinta exposto?
Mais uma vez, o melhor caminho para identificar pessoas em sofrimento mental é a informação. Divulgar amplamente os sintomas de transtornos como a ansiedade, a depressão e o burnout é a melhor forma de fazer com que as pessoas saibam que se sentir mal o tempo todo não é normal.
Outra coisa que não faz parte do repertório de todo mundo é o hábito de perguntar como as pessoas estão. E não é “oi, tudo bem?”, é perguntar “como você está?”.
Parece pouco, mas faz diferença. Dar a abertura para a pessoa falar sobre o que a aflige ajuda a aliviar o estresse e a ansiedade envolvidos.
Autoconhecimento e inteligência emocional são outros dois pontos fundamentais para acolher e identificar colegas que necessitem de acolhimento. Saber o que você sente, quando e como sente ajuda a perceber também como os outros sentem.
Novamente, empatia e diálogo: como eu me sentiria no lugar do meu colega? Como posso dizer a ele que estou disponível para ajudar?
Dinâmicas de sensibilização, projetos de formação de embaixadores de saúde mental, mapeamento são alternativas para colocar a saúde mental em prática no dia a dia dos colaboradores.
9. Lideranças: como cuidar da saúde mental dos seus liderados?
Como a liderança e/ou outros funcionários devem agir ao perceberem que algum colega está com algum transtorno mental como ansiedade, depressão e estresse?
Ao identificar mudanças significativas no comportamento de alguém, procure, em primeiro lugar, conversar com a pessoa. Abra espaço para o diálogo, pergunte como a pessoa está, quebre o gelo compartilhando alguma situação de sua vida que está te preocupando e mostra que o espaço da relação de vocês é um espaço de confiança.
Caso já tenha um relacionamento próximo com a pessoa, expresse sua preocupação: “Tenho notado que você está muito cansado(a) e isso me preocupa”, “está tudo bem em casa/no trabalho? Você parece estar muito preocupado(a) e gostaria de saber se posso te ajudar…”.
É importante colocar seus sentimentos na conversa, para que não soe invasivo. Diga que você percebeu, que você sente, que você está disponível etc.
Conduzir essa conversa completamente focada no comportamento do outro pode soar acusatório e criar o efeito contrário ao desejado.
Pergunte se a pessoa já procurou ajuda e, se você também puder, coloque-se como alguém disponível. Porém é importante reconhecer as próprias limitações. Caso você não seja um profissional da área da saúde mental, recomende ajuda especializada.
Conheça os CAPS da sua região, os prontos-socorros psiquiátricos e as condições em que seu plano de saúde cobre ou não tratamentos em saúde mental.
No dia a dia, convide a pessoa para atividades leves e não relacionadas ao trabalho, como caminhadas, jogos e atividades culturais. Mantenha um canal aberto de comunicação para que a pessoa saiba que pode procurá-lo quando sentir necessidade.
Em casos agudos, como surtos e tentativas de suicídio, é importante saber acione o SAMU (192); e, em casos de ideação suicida, recomende contactar o CVV (188). Lembre-se que casos agudos são controláveis e que é importante reintegrar a pessoa ao ambiente sem julgamentos.
Isso também é inclusão e respeito à diversidade. Não trate a pessoa como se fosse incapaz ou digna de pena, mas sim como uma pessoa que passou por um momento de fragilidade na saúde.
Mas é preciso ter alguma capacitação especial?
Além da capacitação, é importante a sensibilização da liderança para estabelecer relações de qualidade com seus subordinados. Ainda hoje, o papel do líder é cercado de uma aura de hierarquia, centralização e autoritarismo.
A imagem do líder parceiro, mentor e confidente de seus subordinados é muito recente e ainda pouco difundida nas organizações brasileiras.
Dessa forma, continua sendo comum encontrar líderes que incorporam o papel de “chefe” e que se distanciam emocionalmente de sua equipe, preservando somente a relação de comando-controle.
Isso abre espaço para casos de assédio moral e, não por menos, a liderança segue sendo o principal motivo pelo qual as pessoas buscam novos empregos.
Portanto, mais do que educar a liderança para manejar casos de colaboradores que passam por algum tipo de sofrimento ou transtorno mental, é necessário sensibilizá-los para ouvir, abrir espaço e criar relações saudáveis com os liderados e entre eles.
Assim, esses espaços serão de acolhimento e harmonia, promovendo um ambiente de trabalho que se preocupa em como cuidar da saúde mental dos seus funcionários.
Além disso, o líder é o principal exemplo a ser seguido pela equipe. Por isso, deve ser exemplo de acolhimento e de combate à psicofobia (discriminação contra pessoas com algum tipo de transtorno mental), demonstrando apoio às pessoas que estejam lidando com transtornos mentais. Especialmente nos momentos iniciais de diagnóstico, quando o indivíduo está sensibilizado e, muitas vezes, com dificuldades em aceitar a própria condição.
10. Benefícios extras também podem ajudar?
Nem todo benefício cumpre uma função estratégica. Investir em benefícios sem entender qual é o retorno esperado do investimento é completamente ineficaz.
O primeiro passo para pensar em benefícios estratégicos para a promoção da saúde mental na organização é entender o que está afetando a saúde mental dos colaboradores de forma coletiva. Ou seja, acompanhar os indicadores de NPS, engajamento e motivos de turnover para buscar identificar os pontos mais frequentes e, posteriormente pensar em ações que façam sentido a partir deles.
Nem todo sofrimento mental vem do ambiente de trabalho, mas o afetam. Uma organização pode encontrar sérios problemas de rotatividade e desengajamento porque seus colaboradores enfrentam dificuldades financeiras. E, então, acabam buscando empresas com melhores salários, ou se mudando para cidades com menores custos de vida.
Note que, neste caso, trata-se de uma questão de ordem pessoal (saúde financeira), mas que está diretamente relacionada às ações que a organização realiza.
A organização é um organismo vivo e em interação com o ambiente fora dela. Portanto, precisa pensar suas ações dentro do contexto externo. De outra forma, estará deslocada da realidade e poderá fracassar por falta de visão estratégica.
Ao longo da pandemia do coronavírus, vimos muitas empresas adotando o home office e o anywhere office como prática definitiva, pois viram os benefícios de permitir maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Além da maior qualidade de vida dos colaboradores que passaram a poupar horas de seu dia que eram gastas no transporte de casa para o trabalho.
Com isso, podemos pensar que não se trata apenas de benefícios, mas sim da estrutura de trabalho, como as jornadas, o local, a rotina e, é claro, a qualidade das relações no ambiente de trabalho.
Adotar práticas como home office e incorporar flexibilidade de horário aos colaboradores exige, mais uma vez, relações de confiança e diálogo entre as equipes e lideranças.
Se você está se perguntando como sua empresa pode cuidar da saúde mental dos seus colaboradores, aí está uma possível resposta. É complementar às outras soluções, mas ainda assim relevante.
11. Falta de diversidade pode afetar a saúde mental dos funcionários
Por fim, algo que queremos ressaltas de forma muito enfática: sim, a falta de diversidade e inclusão pode afetar profundamente a saúde mental dos seus colaboradores!
Isso é muito, muito importante! Imagine só você trabalhar num lugar onde todos os móveis são feitos para crianças. Você se senta numa mini cadeira, numa mini mesa, mexe num minicomputador da Xuxa.
Além disso, você olha em volta e todos lá são crianças. Estão ocupados desenhando confortavelmente nas mesas feitas para o seu tamanho e olhando com estranhamento para você, o único adulto da sala.
Agora troque as crianças por homens cisgêneros, brancos, heterossexuais e sem nenhum tipo de deficiência, e imagine-se sendo uma mulher. Imagine-se uma mulher negra. Transsexual. Com deficiência. Absolutamente nada naquele ambiente será feito para você, e todas as pessoas irão te olhar com espanto.
É isso que acontece dentro e fora das empresas todos os dias. Em geral, quanto mais a pessoa se desvia da norma, mais excluída ela está.
Agora volte à sala de crianças onde você é o único adulto. Por quanto tempo você aguentaria frequentar aquele espaço ao menos 8h por dia? Bom, a não ser que você seja uma professora do primário, não por muito tempo, certo? Em breve você se sentiria esgotado, cansado dos gritos das crianças, irritado com as brincadeiras infantis.
Nenhuma criança pensaria que você gosta de silêncio, ou que a cadeira pequena está te incomodando. Da mesma forma, ninguém pensaria que ser a única mulher num grupo de homens cria uma série de desconfortos, a não ser que as mulheres falassem.
Aumentar a diversidade nas empresas significa ter mais pontos de vista para resolver um mesmo problema, mais respostas a uma mesma questão. E, portanto, mais eficácia na busca de soluções inclusivas.
Auxílio-creche, licença maternidade estendida, sala de amamentação já são benefícios bastante comuns. Uma mãe em posição de tomada de decisão pode sugerir e justificar o impacto da implementação da licença paternidade expandida para que o pai possa participar ativamente dos primeiros meses de vida do filho, apoiando a mãe durante o período de amamentação exclusiva.
Isso pode fazer com que, mesmo em período de amamentação, ela consiga se dedicar de forma mais eficaz às demandas do trabalho.
Uma pessoa LGBT+, após um episódio de homofobia na empresa, pode trazer iniciativas para educar os colaboradores para a diversidade. Enquanto uma pessoa com deficiência física pode fazer a empresa pensar suas estruturas de acessibilidade, tornando-se um espaço acessível a um maior número de pessoas.
Abrir as portas para a diversidade significa, principalmente, abrir espaço para o sentimento de pertencimento. Não só identificação com a cultura organizacional, é importante também a identificação com as pessoas que constroem aquela cultura. Um adulto não irá se sentir confortável num grupo de crianças, mesmo que elas se comportem como adultos.
Segundo Rogers, psicólogo estadunidense criador da Abordagem Centrada na Pessoa, o ser humano tem a tendência à sanidade mental e ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades.
Sentir-se parte do ambiente onde se encontra e perceber-se como pessoa respeitada em suas individualidades, pensamentos e preferências é fundamental para que as tendências naturais do ser humano possam ser seguidas com fluidez.
Construir uma organização orientada à promoção da saúde mental é construir um ambiente onde isso tudo seja possível.
Gostou do texto? Para qualquer dúvida sobre nossas soluções e assuntos relacionados a RH, entre em contato conosco!